domingo, 26 de outubro de 2014

Me diga

Me diga
se a falta que eu sinto
de seus lábios, seus abraços
e seu calor a me envolver
é amor.

De dia,
um sorriso me acomete
e sua imagem se repete,
me fazendo amanhecer
com louvor.

Antiga,
sua foto se revela,
qual paisagem na janela
ao entardecer,
um torpor.

Vazia,
a minha noite se anuncia,
quando, no final do dia,
posso perceber
minha dor.

Eu sinto
em meu leito essa saudade,
com intensa intensidade,
que me faz estremecer
de pavor.

Confirmo,
com o violão iluminado
(num reflexo molhado
que pareceu até chover),
que o que sinto
por você
é amor.

Ruínas em construção

Eram épocas de vivas e glórias,
em que permeava no ar
o odor caramelo das maçãs do amor.
Toda vida preenchia o material e ali se encerrava.
Toda certeza tinha seu altar
e seu quarto de veneração.
Os heróis estavam imunes e altivos.

Hoje, só o que me resta de concreto
são as ruínas de um antigo palácio de festas.
Onde a Lua, quando não o invade totalmente,
salpica o chão de estrelas
e as poucas paredes que se aguentam
estão recheadas de frestas e buracos.

Isso é só a ação do tempo,
quebrando as linhas retas.
As revoluções acumulando
suas ações na história.
E a natureza mostrando sua resiliência
frente ao que é simples artifício.

E assim seguem as minhas ruínas,
em permanente construção...

Experimente música

São novos acordes, novos tons.
Notas que se sincronizam
em dissonantes desacordos,
e acordam em a bem soar o som.

Abrir os ouvidos é bom:
renova a alma e a mente,
chacoalha a quiescência,
provoca a expansão da consciência
e leva, por vezes, à serendipidade.
Não importa a tua idade,

experimente um novo som...

Um Universo na fechadura

O menino, por trás da porta,
espia o ínfimo buraco da fechadura
e enxerga todo um Universo novo
que se desnuda diante de seus olhos:
com o desabotoar de uma blusa,
as barreiras da pequena mente desabam,
como desabam as vestimentas ao chão,
e o menino sente, como o despertar
do gérmen na semente,
um novo mundo de grandes possibilidades.
Pelo ínfimo buraco da fechadura, por não conter a chave,
abre-se a porta de uma nova percepção,
que só o antigo menino sabe...
Construir um novo tempo em outro lugar.
Faremos tudo muito lindo, rindo,
e os anjos vão nos invejar...

domingo, 21 de setembro de 2014

Anencéfalos

Os seios grandes, cheios de nutrientes, estão lá,
mas quem deveria aproveitá-los não está.
A barriga, preparada para confortar, está lá, ainda grande,
mas quem deveria se reconfortar não está.
O amor, o afeto e o colo estão lá,
mas quem deveria recebê-los não está.
O berço, a fralda limpa e o aconchego estão lá,
mas quem, com isso, deveria se regozijar não está.
A dor, a angústia e o sofrimento estão lá,
pois quem deveria harmonizá-los não está.

O julgamento moral e o preconceito estão lá,
mas quem condena não está.
O "castigo" e a "vontade suprema" estão lá,
mas a compaixão e o compadecimento não estão.
A dor, a angústia e o sofrimento estão lá,
pois quem deveria apaziguá-los não está.

A consciência e a razão deveriam estar lá,
tanto em uns quanto em outros,
mas, infelizmente, por triste capricho da natureza,
não estão.

Medo de fato

Dizem logo que alguém cometeu um ato:
umas bocas dizem que foi loucura,
mas outras afirmam que foi sensato.
Mas nem este alguém confirma
se foi culpado ou vítima de fato.
Não importa, já está falaciado
ou divulgado, depende-se do trato.
No fim, a multidão decide sem provas
e sentencia com parecer exato;
baseada exclusivamente
na sua versão dos atos
ou terá sido na sua irreversível
aversão aos fatos?

O problema

Não é tanto a estatização, nem tão pouco a privatização, mas a falta de coletivização...