segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

A boa dança

A boa dança é a dança colada,
com a passada marcada
no encontro das coxas;

grudada nos seios,
comendo os cabelos
e lambendo o cheiro das moças;

cadenciada num rebolado suado e
nos quadris encaixados -
a salientar as roupas rotas;

dançada com poucas palavras
e algumas boas risadas
marcadas nos cantos das bocas...

domingo, 27 de novembro de 2011

Ventos do Norte

Ouço os ventos do norte,
os quais trazem consigo
o tilintar das moedas
a cada passo da Morte.

Sons que irrompem o ar.
Fileiras de metais
esmagam as capitais
e calam a quem falar.

Gira a roda da sorte
com muito altas apostas,
mas quem perde é quem não joga.

Definem um recorte,
dão tapinhas nas costas,
mas não é na que se afoga.

A poça

Nesta poça meu rosto reflete
Sabes de onde vem esta poça?
Vem distante de sete mares
Cruzou céus nos hemisférios
Congelou na neve dos pólos
Deslizou por rios e quedas
Penetrou profundas terras
Matou a sede de animais
Sustentou tantas vidas
Matou tantas também
Escorreu por subsolos
Lavou tanto sangue
Levou esperança
Subiu aos céus
Virou gotas
A chuva
A poça
Eu

sábado, 5 de novembro de 2011

Lágrimas de mulher

As lágrimas, tantas, que lanças,
espelham um retrato - tão vivo, quanto úmido -
no reflexo das gotas - de um ato reflexo -,
um mundo paralelo do que poderia ter sido,
mas não o foi.
Nos respingos, se desmancham antigas
expectativas, ainda ativas, que Mnemósine
cuidadosamente recompõe
em seu mar de sofreguidão.
Um dia, quem sabe, Ela desista
e a fonte desse mar secará.
Decerto, sobrará o sal-cristalino
a aprisionar as amarguradas lembranças,
mas que novas chuvas gentis
hão de lavar e levar.

E, no convexo reflexo de tuas lágrimas,
brilhará, por fim, a luminosa felicidade
de seu sorrir...

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Conotação a ti

Encontrei muitas flores,
no meio de tantas noites,
procurando você.

No meio de muitas flores,
procurando, por tantas noites,
encontrei você.

Procurando em muitas flores,
encontrei tantas noites
no meio de você...

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Tempos modernos

Nestes tempos desgarrados,
dos Anjos me ressalta à mente.
Me recordo os vermes da Terra,
devorando as entranhas da gente.

Se vê que, neste mundo de sangue,
a ganância e a ignorância rastejam,
chafurdando os corpos em carniças,
que os obesos abutres almejam.

Onde estão as verdes gramas
e o florescer da primavera?
Existirá, ainda, um nobre futuro
onde a áurea modernidade impera?

Afinal, um dia, o suntuoso progresso
obliterará a tribal selvageria?
E, por enquanto, seguimos à deriva
na nata promessa de uma Virgem Maria...

A viola que partiu

Nessas horas em que não sinto, em dormir, vontade
e que se desaconchega minha alma idiossincrática.
No meu peito, sinto falta da serena intensidade
- da voz e do corpo - da minha guitarra clássica...

domingo, 19 de junho de 2011

Paladar matutino

O sabor da boemia se espalha pelo quarto -
o cigarro mentolado, entrosado
com o teor alcoólico da atmosfera,
pela manhã, se enrosca com o aroma
do café recém-passado
- e o passado permeia todo o ambiente e,
dos doces aos cítricos aromas,
todos os sabores e olores na minha mente.

Este é o gosto do meu amanhecer,
amarrotando o paladar
nas eternas manhãs,
que nascem distantes de você...

Fome

Já estive tão bem
e agora quase morro de fome.
Um homem que mal permanece em pé -
um homem que há muito não come.
A força se esvai, o pensamento desliza,
a inanição desvirtua o moral, dissipa
os conceitos
e os valores se perdem...

terça-feira, 7 de junho de 2011

Quem não boia se afoga na nova era

O concreto no céu espelha
Narciso renasce e se esmera
O amor agora enterra
A paz se degenera

Tantas batalhas por essa Terra
Nos telhados o urubu espera
Sorri a Morte tão megera
E o ser humano nunca erra?!

Distância

A fotografia se faz em punhal
- sangra o peito.
O perfume se faz em prisão
- e sou detento.
A lembrança se faz em tormenta
- ruge o vento.
E a distância se faz em tristeza
- esfria o leito.

domingo, 15 de maio de 2011

Passa

As noites de sono que não são mais dormidas
têm em sua constância o pesar dos anos que passaram;
têm o acúmulo de rugas e traços em uma face tão antiga
que não se reconhece mais.
A arqueação do corpo é bruta, vinda da força de
responsabilidades em que nele se apoiaram.
Na pele, a marca dos quilos de poeira que por anos a maqueiam
e as cicatrizes das vezes em que os músculos fraquejaram
e que seu corpo caiu como maduro fruto ao chão...

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Escrito nos genes

Me sinto imerso em um mundo de letras nucleotídicas e palavras genéticas,
que trazem a diversidade da variabilidade fonética.
Permeio entre os textos poéticos e mutantes arranjos estruturais
da poesia complexa.
Busco na linhagem brasileira, a herança materna de Raquéis e Cecílias
e de como seus genes ainda florescem nestas terras e enriquecem
nossas páginas.
Observo a história das escritas e as descobertas infinitas de Charles e Gonçalves,
cantando a Origem da Vida de guerreiros Tamoios
e de como que as aves, que aqui gorjeiam, não gorjeiam como lá,
pois, assim, a seleção natural conduziu-as a gorjear.
E um dia, toda a palavra escrita em nosso código genético será  revelada e interpretada
e continuará sendo feita, refeita, desfeita, embaralhada, descartada e renovada,
até que chegue o ponto final...

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Alegria

As lágrimas escorreram, como há muito não faziam;
resfriaram a vermelha face, como há muito não lavavam;
passaram ao lado da boca e deixaram seu amargo e salgado sabor, que há muito não sentia;
rolaram pelo queixo e pingaram, gota a gota, como há muito não choviam;
e se espalharam no travesseiro, que há muito não encharcava;
e ela continuou... riu demais, como há muito não se divertia...
e se mijou...

Dieta forçada

Não precisamos da sua preocupação com calorias
nem da sua ideia fixa de emagrecer em cada verão
nem de suas ergométricas bicicletas e esteiras
ou de suas desprezíveis máquinas tremedeiras
ou de seus adipômetros de bolso
nem de sua adipofobia na mente
Não há espaço na mesa para suas dietas miraculosas
pois a comida é menor que o olho
e a dieta é eterna
a dieta é a da miséria...
No pôr-do-Sol há uma cor que ninguém enxerga, é a mesma cor que brilha
em seus rosados lábios. A mesma cor que me acalma, e torna menos penoso
o deitar da noite, e me faz enxergar que um novo dia virá e serei novamente
agraciado com o seu terno sorriso e seu presunçoso olhar...

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Minhas palavras

Não é poesia de poeta,
é só uma escrita desgrenhada.
Nada que se compare à concreta
inteligência da palavra engendrada.

Só jogo a caneta ao papel
de maneira pseudo-orientada
pelos doces lábios de mel
de uma Paulicéia Desvairada.

Não pingam de mim o suor
nem a vida do antigo romântico,
que caía de mal à pior
à cada verso de um cântico.

Desconheço as regras métricas,
que descrevem o vaso chinês.
Acho um exagero a estética
perfeita demais para ter clichês,

mas ainda vivem as estrelas,
brilhando nos céus de Ouro Preto
e iluminando as covas estreitas
onde brilham as larvas no peito

de um corpo que apodrece
e leva pesados rancores:
a ânsia de escarrar, se pudesse,
na boca de quem só ganhou amores.

Tomo um fósforo, acendo meu cigarro
e escrevo algumas ideias confusas.
Já um poeta esculpe do barro
a indescritível beleza de suas musas;

deixa afogar a mulher, mas
não larga sua obra mor
- escrita com tanto tenaz,
que se lhe torna o grande amor.

O poeta descreve a batalha
com profunda precisão,
como a que abateu Ismália
em sua eterna obsessão.

Como pedras, são minhas
palavras, atiradas à Geni,
pois carregam em suas linhas
as sandices que vivi

e são escritas com desleixo
de um homem sem tempo
pra fazer um verso perfeito
ou amar com tal intento...

domingo, 9 de janeiro de 2011

Nada

É o teor dos teus odores
o tenor dos teus cantores
o tremor dos teus atores
o horror dos teus pavores

A finta que te escapa
a tinta que te marca
a mancha que não se apaga
a felicidade que não se apega

A agonia que não se afasta
a cabeça oca do poeta
a palavra - forca - do profeta
a inclinação da linha reta
a história entre T e Theta


O farto seio que te alimenta
o vasto anseio que te orienta
a mesmice que se reinventa
a invenção de que a moda é diferente
e que tudo muda pra frente

é isso, é assim, é o que se quer que seja
é tudo sobre... nada...

Mama África

É fantástica tua bunda colagênica.
Não precisa silico, não aceita lipo,
não requer aparelhos, nem linfática.
É assim de tua natureza,
de imortal elástica-estática.
Vivas à tua estupenda seleção...
Vivas à Mama África...

Um eterno drama vampiresco

Arrepia-se ao meu olhar,
meu sangue até esquenta.
Não posso te pegar,
mas nem morcego aguenta.
Me atrai o sangue vermelho
de seu cabelo comprido.
Até sigo algum conselho,
mas sua voz é um estampido.
Entrego-me aos teus encantos,
mesmo sem te compreender.
E você aos prantos,
tentando me entender.
Mas agora nem os santos,
nem o diabo para desfazer...

Crepuscular

Ele a seca e sente-se seco.
Afasta-se à força,
mas não é o seu desejo.
Volta atrás por não suportar.
Ela, mais aliviada, respira.
Os dois aos poucos se entregam,
mas poucos devem saber.
Pode ser catastrófico,
como quase o é.
E o fim de tarde nunca termina,
apenas prossegue,
eternamente...

Dia da caça

Quero você
pro meu tira-gosto,
para tirar meu mau gosto.
Mas me atira ao chão e entalha
com seus matacões
o meu rosto.
Minhas costas já sangram
dos seus arranhões
e já estão viradas em frangalhos.
E em sua boca já virei o seu almoço...

A destruição não surpreende

É a parte orgânica de todas as coisas vivas e mortas.
É cada vez vez mais a moda, a arte e a filosofia.
É o que organiza a vida, a sociedade, a humanidade...
Tem o peso da história em suas corcovas,
passa e transpassa os muros da glória,
derruba preceitos e valores
e demole o moral, os dogmas e os paradigmas.
Desabrocha os botões floridos da morte
e os enche com as cinzas da vida.
Destrona reis para que virem bobos da corte,
ou para que a cabeça lhes cortem.
Cala filósofos para que se exilem em si mesmos,
ou para que a língua lhes cortem.
É a ordem natural... apenas isso...

sábado, 8 de janeiro de 2011

Avante... e o velho morre...

A paisagem muda,
mudam-se as figuras e mudam-se os figuras.
O bonde anda e não há arreio para lhe parar,
e agora anda como bala.
Alcança velocidade supersônica... e a paisagem muda.
Caem os edifícios antes imponentes,
caem as pequenas casas ao sopro do lobo,
caem as perfeições da natureza.
É uma transação cada vez mais natural,
é uma transição cada vez menos gradual,
é um chute no peito de um velho que morre.
Explode em cores na escuridão,
deixa as marcas nas camadas da evolução.
Transforma o cenário em restos e escombros sobrepostos,
limpados à retro escavadeira,
e escondidos à rolo compressor.
E para que isso? Para que emerja o novo,
o mais novo, o super novo
o hiper novo,
e que suma a pista que o pariu...