domingo, 21 de março de 2010

Vazio...grande parcela do meu interior

                          Alucinado, vendo em cada escarro
                          O retrato da própria consciência!
                                            (Augusto dos Anjos)

Vazio...grande parcela do meu interior,
conflituoso momento de inexistência.
Ao som da batida racional,
procuro entusiástico cobertor.

A Lua tem seu sorriso minguante,
as pessoas...os dentes podres...
e de seus peculiares interesses
nascem os vírus de ignorância calcificante.

Apegue-me antes nulidade,
que o nato-salto mesquinho
de sócio-intelectuais,
cuidando de suas complexidades.

Mas que não me caia a
estúpida ignorância
- câncer ingerido na infância -
que minha alma tende a redescobrir.

Vazio...não retrógrado
nem progressivo, apenas...vazio,
útil período ao recomeço.
Mas ao anarquizar o ser,
paga-se o preço
de tal entorpecer.

Que me inunde essa falta de ação,
leve a imunda terra que não presta
e deixe bruto o mineral dilacerado...
que é o que me resta...

Alvas, morenas, formosas donzelas

Alvas, morenas, formosas donzelas,
já belas e esbeltas damas eu vi.
Tiveram comigo e nenhuma fez
pasmar-me insone ao luar como ti.

Teus olhos desvanecem as estrelas.
Do Sol, o calor aquece ao poente.
Como por outra nunca n’alma senti,
trago em sonhos...suspiros teus somente.

Com a paixão fizestes em mim razia,
nenhuma outra deu-me este sentimento...
és musa em meus versos e poesias.

Não posso livra-me de ti, lamento
se nenhuma outra tem o que ainda é teu...
Meu amor, meu sorriso e meu sofrimento...

Aos cinco anos

Aos cinco anos de idade
recebi uma lição da vida:
aproveitar cada passo
dessa viagem, só de ida -
de um único destino,
mas de muitas saídas.

Corra o que puder antes da morte,
ao invés de parar ainda em vida.
Fuja daquela gigante,
que devora a nós -
criaturas de proporções tão findas.

Aos cinco anos de idade,
a lição que aprendi
foi triste e sofrida,
vendo ficar pra trás
aquela pessoa tão querida.

A dor e o pranto me tomaram...
as mais profundas feridas.
E as cicatrizes que ficaram
são ainda doloridas.
As imagens e as lembranças...
foram perdidas, esquecidas.

Mas não me esqueço daquele fato,
belo e limpo era o dia,
em que no ar
um perfume funerário se sentia.
Foi o último beijo...
numa tampa fria.
Foi o último adeus
àquela quase desconhecida...
minha própria mãe.
Partiu na mocidade madura de sua vida.

Não se sintetize

Não quero um sentimento sintético,
de sintético já bastam os peitos
que adornam seu corpo,
os olhos claros que veste todas as manhãs,
o nariz levemente empinado
e o sorriso perfeito
milimetricamente construídos.
Não quero seu exemplar comportamento social.
Não quero os leves sorrisos falsos
dados à quem não merece um verdadeiro.
Não quero seu diálogo padrão
e suas palavras educadas.
Rasgue esse papel...
não quero esse roteiro...
não quero sua personagem...
não seguirei o seu script...

quinta-feira, 4 de março de 2010

Ismália (Alphonsus de Guimaraens)

Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.

No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...

E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava perto do céu,
Estava longe do mar...

E como um anjo pendeu
As asas para voar...
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...

As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar...

                 Alphonsus Guimaraens